O povo merece respeito.
Este é o discurso de campanha e de vida do presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
No entanto, como diz o
próprio povo, na teoria a prática é outra. Réu em uma fila de processos,
acusado em uma série de escândalos, a ficha suja de Eduardo Cunha parece não
ter fim.
Na semana passada, o
procurador-geral da República em exercício, Eugênio Aragão, revelou que o
deputado tem uma frota de carrões em nome de Jesus. No caso, Jesus.com, uma de
suas empresas. Na internet, são de propriedade de Cunha mais de 200 endereços
com o nome de Jesus ou usando a religião em benefício próprio. Resumindo: Cunha
praticavemente privatizou Cristo na internet. Em seu nome.
Este tipo de
comportamento tem indignado aqueles que seguem, de fato, os ensinamentos da
Bíblia. O pastor presbiteriano Edson Fernandes, mestre e doutor em Teologia
pela PUC, é um dos que ficam perplexos ao ler as peripécias do deputado que, no
Parlamento, prega contra a corrupção e fala em nome de Deus, mas ao descer da
tribuna pratica tudo o que condena.
“Esse negócio de ter o
domínio de Jesus na internet é muito simbólico. É uma heresia. Quem tem domínio
de Jesus ou da fé? Esta lógica do poder e de riqueza é o contrário de tudo o
que Cristo pregava. Mas Cunha não é o único. São vários como ele. É preciso
fazermos uma reflexão profunda sobre isso”, disse Edson Fernandes.
O pastor luterano Mozart
Noronha, conhecido por ter feito o funeral de políticos tão distintos e
distantes como o ditador Ernesto Geisel e o ex-governador Leonel Brizola,
também é crítico da postura de Eduardo Cunha.
“Estas igrejas
neopentecostais são frequentadas por gente decente, humilde, mas ingênuas. São
dominadas por lideranças contrárias ao Evangelho. Igrejas que viraram currais
eleitorais e foram acopladas por partidos inescrupulosos. Isto nunca foi
cristianismo. Este é o mundo do Eduardo Cunha”, diz Mozart.
Também mestre em Teologia pela PUC e professor de Filosofia na Universidade
Cândido Mendes, ele se constrange ao ver tanta gente oposta ao cristianismo em
eventos como a Marcha para Jesus, que, segundo ele, deturpam por completo o que
diz a Bíblia.
“São pessoas nocivas à
vida pública. Moralistas na igreja e corruptos na prática cotidiana. Essa gente
serve apenas ao poder. Quando vivemos sob ditatura, foi com o apoio deles.
Cristo morreu ao fazer a opção por denunciar os corruptos que estavam no poder,
em seu tempo. É o oposto do que fazem”, explicou.
Segundo os pastores, Eduardo Cunha seria denunciado por Jesus Cristo se este
vivesse entre nós. “Cristo viveu para fazer o bem e denunciava hipocrisia.
Obviamente faria isso com Cunha”, disse Mozart.
Líder entre protestos e denúncias
Mais uma vez, a semana de Eduardo Cunha foi repleta de novas denúncias sobre as
suspeitas de corrupção que pairam sobre ele, desta vez envolvendo as
movimentações bancárias na Suíça.
O Supremo Tribunal
Federal (STF) determinou, na quinta-feira, o repatriamento do dinheiro que o
peemedebista mantém no país europeu — cerca de R$ 9 milhões, que Cunha nega ter
adquirido. Na Câmara, deputados seguiram pressionando pela renúncia de seu
presidente e realizaram protesto. Parlamentares pedem a cassação ao Conselho de
Ética da Câmara.
O STF investiga o presidente
da Câmara por corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação. Segundo informações
do Ministério Público da Suíça, Cunha, a esposa Cláudia Cruz e a filha,
Danielle Cunha, mantiveram quatro contas bancárias no país.
Silêncio e tosse dentro de casa
O silêncio impera na Assembleia de Deus de Madureira, igreja frequentada por
Eduardo Cunha e, segundo a Procuradoria Geral da República, utilizada pelo
deputado para receber parte da propina de pelo menos US$ 5 milhões destinada a
ele, referente a contratos para viabilizar a construção de dois navios usados
pela Petrobrás.
Abordados pela equipe do
DIA, dois pastores não quiseram gravar entrevista nem se identificar. Um deles
teve um acesso de tosse que só sarou após a saída da equipe, enquanto o segundo
desejava “boa sorte e bom trabalho”.
Entre os fieis, poucos
estavam cientes dos escândalos envolvendo o deputado. E preferiram não se
comprometer com medo de represálias. “Ah, quem somos nós para julgar isso? Quem
vai julgá-lo é a justiça divina. Se ele estiver errado, vai pagar pelo que
fez”, disse a dona de casa Rita Souza.
Bispo da Sara Nossa Terra, Francisco Almeida também não quis falar: “não tenho
o que dizer. Ele não vem aqui há 10 anos. Agora é da Assembleia”, resumiu.
Geração 2013 reprova Cunha
Os jovens evangélicos que foram às ruas em 2013 protestar contra a corrupção no
governo Dilma reprovam o comportamento de Eduardo Cunha. Raphael Godoi, um dos
organizadores dos protestos que levaram milhões às ruas do Rio, é um deles.
“É um cristão de araque
e um político de araque. Usa a fé das pessoas para atingir seus objetivos
pessoais. Jesus se colocava contra o amor ao dinheiro e à ganância. Foi um
homem simples. Cunha montou na fé das pessoas para construir carreira e
fortuna”, critica Godoi, de 18 anos.
Frequentador da Igreja
Batista, Raphael Godoi condena não apenas a postura pessoal de Cunha, como
também a forma como mistura e suas funções como presidente da Câmara. “A forma
como ele conduz o Parlamento é uma vergonha. Ele não deve representar dogma de nenhuma
religião. Eu acredito na Bíblia, mas não se impõe a sua fé através de lei”,
diz.
Raphael diz que muitos
colegas de igreja que fizeram campanha para o deputado em 2014 estão
arrependidos de seus votos. “Vários. Ele traz gente para a igreja com o discurso
da prosperidade, mas só quem prospera é ele. Sem falar em roubo, conta na
Suíça. Estas notícias chocam a todos”, conta.
Presente aos protestos
de 2013, não como liderança, mas “como mais um na multidão”, o metodista Lucas
Macedo, de 24 anos, é mais um desiludido com as práticas do presidente da
Câmara dos Deputados.
“Acho que enganou não só
a mim, como muita gente. Utilizou a religião e a política para chegar onde
chegou, mas duvido que seja um verdadeiro cristão. Não é possível que ele durma
tranquilo sendo cristão. Estou arrependido do meu voto”, garantiu.
Fonte: O Dia/ RC